sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sonha - Ana-Não


Sonha.


Uma escada cinzenta sobe infatigavelmente, sempre mais alta. Sem corrimão, abre-se, perigosa, logo acima de um buraco negro, cada vez mais profundo. Pontilhado de uma multidão de patamares, como terraços fantásticos onde florescem jasmineiros e roseiras. Ela gostaria muito de regar essas plantas, que parecem morrer de sede e reclamar-lhe os cuidados, olhando-a fixamente através das flores murchas. Mas não pode parar, não tem tempo. Cumpre-lhe chegar, a qualquer preço, ao último patamar, onde o carcereiro almoça. Com ele estão as chaves. A ele deve pedir que abra as grades perpétuas da prisão de seu filho. Mas é tão angustiante a escada sem corrimão! E essas flores deformadas, tão abundantes, tão agressivas, que a atraem para o vazio, mais e mais próxima do abismo... Escorrega. Cai. A voragem. Não lhe sobram forças sequer para soltar um grito.
Não acorda. Perde-se no vazio, sem repouso, e agora sem sonhos.

* Do livro Ana-Não de Augustin gomez-Arcos

4 comentários:

  1. "Não pode parar, não tem tempo.
    Cumpre-lhe chegar."

    Esse chegar cumpre-se a todos nós:
    Para onde,sequer sabemos... somente que é preciso.
    Lindo lindo isso, marcio!
    Dias de luz p vc.
    Meu beijo

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  2. um texto brilhante.
    eu amo este livro
    ah!!as mães.......
    eu sinto o cheiro e a consistência do pão: um verdadeiro bolo.

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  3. É verdade Isabel, mas precisava ser tão triste.
    "Pão de amendoas, untado de azeite, com gosto de anis e bastante açúcar. Um verdadeiro bolo diria ela!"

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  4. Então Andréa o lance é chegar, mas onde??
    bj

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