quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Vende-se tudo


No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por
uma mãe, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a
família voltaria a morar nos Estados Unidos.
O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento.
Uma outra mãe, ao meu lado, comentou:
- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.
Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe
comigo apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes.. O resto vendi
tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar,
aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.
Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o
bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém aparecesse.
Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às vezes o interfone
tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido comentar que ali estava se
vendendo uma estante. Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um
belo desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um
saleiro de brinde, e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas.
Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu
lar, que a cada dia ficava mais nu, mais sem alma.
No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a
geladeira e a tevê.
No último, só com o colchão, que o zelador comprou e,
compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os
travesseiros.
Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em
que aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material...
Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse valor afetivo. Deixei de
lado o zelo excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e
não para se amar.

Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada
vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes,
não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida...

Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas, para voltar
aos Estados Unidos, a mesma emoção que tive na minha última noite no
Chile.
Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na
época tinha dois anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas
malas. Fazia muito frio. Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos
ofereceu o café da manhã, já que não tínhamos nem uma
xícara em casa.
Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido levando as
emoções todas, nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.
Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de
leveza.

Lembrem-se:
Só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir.
Martha Medeiros.

Recebi esse texto por e-mail de um amigo, e resolvi blogar. Além de gostar muito das crônicas da Martha, essa em especial me tocou, pois já fiz tantas vezes isso. Acho que é assim mesmo, devemos trazer conosco aquilo que é prá sempre, que ninguém tira: nossas lembranças, nossos amores, nossas pessoas... A nossa verdadeira história!
mk

9 comentários:

  1. Obrigada por a sua visite em meu blog.
    O humano devia ter amor ao mundo e não aos bens materiais. As pessoas cada vez mais ligam aos bens materiais e não vê o que o mundo nos pode dar. Parabéns pelo blog, esta excelente.
    Abraço

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  2. isso me lembra o achados e perdidos sempre tem algo que serve em alguem
    bom eu ainda não tive o desprazer de desmontar minha house mas estamos ai amanha é outro dia

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  3. Martha Medeiros citou: "Lembrem-se: Só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir."
    E eu acrescento: "e que ninguém nos poderá tirar!"

    Márcio, fizeste muito bem em publicar o email que recebeste! Pois, é a vida tal como ela é – nua e crua!
    CR/de

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  4. E se pudermos apenas levar o amor das pessoas levaremos então o maior de todos os bens...



    Bjs

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  5. Valeu Fernando! Mi casa, su casa!
    Abç

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  6. Não diria desprazer, embora o novo sempre causa receios, mas aprender-viver!
    O lance é tirar partido de tudo que nos faz valer. Abç Mateus

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  7. Concordo com vc Carlos.É o que sobra no final!
    Abç

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  8. Que bom que vc veio Si, já estava com saudades.
    Bj querida!

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  9. Márcio

    bela partilha esta, repleta de ensinamentos úteis. Ainda não tive essa experiência, mas recentemente o meu carro foi vandalizado para levar um auto-rádio que nem funcionava krkrkrkr

    No início fiquei surpresa, achamos sempre que isso só acontece aos outros, mas quando cai em mim, fiquei no vazio. Até que percebi que era só um carro e um auto-rádio avariado até. Ri com a situação e segui em frente.

    Acho que é difícil por vezes compreendermos a duração das coisas, elas nos dão aquela falsa segurança, e quando desaparecem ficamos vazios. Mas a verdadeira segurança vem de outro lado, aquele ponto central que muitos chamam fé, esperança, optimismo... Eu acho que é uma força que nos guia e diz «Você tem aquilo que precisa no momento certo e na medida certa, aproveite enquanto dura».

    Assim, é mesmo como a MArtha diz, só interessa o que levamos, as experiências vividas. As coisas servem para ser usadas nessas experiências.

    Beijoca e obrigada por aparecer no Grimoire

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